Houve um tempo em que a TV a cabo era o sonho de consumo dos espectadores. Afinal, eram muitos os programas diferenciados oferecidos de forma exclusiva e, principalmente, havia uma grande disponibilidade de filmes e séries que não apareciam nos canais abertos.

Depois, vieram os serviços de streaming. Plataformas como o pioneiro Netflix, o Hulu e até a opção da Amazon chegaram ao mercado com a missão de atrair o consumidor por meio de benefícios únicos. Para isso, fizeram acordos com redes de TV e criaram bibliotecas recheadas de filmes e programas televisivos exclusivos.

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Muitos clientes assinaram a Netflix apenas para ver Breaking Bad, The Walking Dead ou mesmo os filmes da Disney disponíveis em seus arquivos. Além disso, os serviços de streaming são baratos, convenientes, não têm contratos nem anúncios. Por tudo isso, rapidamente se tornaram uma alternativa às empresas de TV a cabo.

Além de permitir que o consumidor veja suas séries favoritas sem propaganda, essas plataformas usam algoritmos inteligentes que o lembram sobre eventuais episódios perdidos. Na Netflix, eles são ainda mais sofisticados: o sistema é capaz de apresentar imagens personalizadas para cada consumidor de um mesmo produto — para isso, consideram as preferências do cliente, com base no que ele já viu no site.

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Falta sustentabilidade ao modelo

Quando a Netflix surgiu, ela tinha todos os programas que o cliente desejava. Isso porque, sem concorrentes, a empresa conseguia acordos bastante vantajosos com redes como Starz, Disney e AMC — e isso lhe garantia milhares de séries, programas e filmes que já haviam conquistado a audiência. Com a chegada da concorrência, entretanto, o cenário mudou.

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Hulu e Amazon passaram a pagar mais que a Netflix pelos produtos das redes de TV. Em 2008, por exemplo, o contrato da Netflix com a Starz custou US$ 20 milhões e garantiu à plataforma 2.500 itens, entre programas e filmes. No mês passado, o serviço teve de desembolsar US$ 100 milhões apenas para manter Friends em sua biblioteca. Com a queda na quantidade de itens disponíveis, os assinantes têm menos motivos para se manterem clientes da plataforma.

E quem procura um serviço para ver um produto específico, vai terminar de assisti-lo rapidamente e, se não houver outros itens pelos quais se interesse, provavelmente vai cancelar a assinatura. No caso da Netflix, que oferece um mês de uso gratuito, pode ser que a empresa nem chegue a ter aquele consumidor como assinante ativo. Ou seja, programas famosos até atraem clientes, mas não os mantêm fiéis.

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Criação de conteúdo próprio é tendência

Por isso, mais do que aproveitar o sucesso de programas de terceiros, esses serviços têm apostado na criação de conteúdo próprio. Bons exemplos de séries originais da Netflix que seduziram a audiência incluem House of Cards, Stranger Things e Ordem na Casa com Marie Kondo. O melhor é que produzi-las sai muito mais barato do que renovar o contrato de programas famosos. Atualmente, a maior parte dos produtos de sucesso disponíveis na Netflix são suas séries próprias. Hulu e Amazon já seguem pelo mesmo caminho. Até a Apple tem planos de criar conteúdo original.

O maior problema com esse modelo é que ele é muito parecido com o das TVs a cabo. Cada serviço tem sua programação exclusiva alguns produtos de terceiros (e que também existe em outras plataformas). Um dos motivos para isso é que as redes de TV perceberam que podem ter serviços de streaming próprios. É o caso, entre outros, de HBO GO, Fox e Showtime. Já estão em desenvolvimento, e devem ser lançadas ainda neste ano, as versões da Disney, da WarnerMedia, da DC e da NBC. Os conteúdos devem ficar restritos a quem os produziu.

Se, por um lado, ter conteúdo original não é um problema, por outro, o que destacava a Netflix era justamente a diversidade de títulos disponível — vinda de várias redes de TV. Com a tendência da produção de conteúdo exclusivo, o consumidor vai ter de assinar diversos serviços de streaming para ter acesso a uma grade de programação realmente diversa. Assim, essas plataformas vão ser muito semelhantes aos canais de TV a cabo.

Serviços de streaming já copiam o formato de “combo”

Os combos de programação oferecidos pelas TVs a cabo sempre foram odiados pelos clientes. Ter de pagar um valor alto por uma assinatura para assistir a um único canal ou ter de contratar diferentes combos para ter acesso ao que realmente têm interesse não é exatamente prazeroso. Especialmente porque boa parte do conteúdo agrupado nos combos não interessa ao consumidor. E é justamente essa a grande sacada das TVs a cabo: é com a venda desse conteúdo odioso que elas garantem uma entrada estável de dinheiro.

Nos serviços de streaming, o processo é semelhante, mas menos escancarado. Enquanto produzem conteúdos exclusivos na tentativa de agradar o cliente, Netflix, Hulu e Amazon usam séries como Friends, Seinfeld e The Office — que tem milhares de fãs — para manter uma base grande de assinantes. Se cada um desses adeptos mantiver sua fidelidade à plataforma, o serviço garante uma renda estável e pode continuar a investir em seus outros títulos.

Apesar de os grandes sucessos de conteúdo próprio, como Stranger Things, na Netflix, trazerem muitos assinantes, esse tipo de título ocorre de forma espaçada — nesse ínterim, corre-se o risco de perder o assinante. Esse é, inclusive, um dos motivos que faz a Netflix pagar US$ 100 milhões em renovação de contratos de obras famosas. As plataformas de streaming das redes de TV devem usar a mesma estratégia: é provável que o cliente assine apenas para ver um ou outro programa, mas se ele realmente for fã do produto, as chances de que mantenha a assinatura por muito tempo são grandes.

Esse formato ajuda a garantir a continuidade dos serviços, mas tende a ser frustrante e caro para o consumidor. Os aumentos na Netflix têm sido anuais e os concorrentes têm feito o mesmo. Com mais serviços de streaming sendo lançados, o acesso a bom conteúdo vai ser cada vez mais limitado. O consumidor, então, vai ter de assinar várias plataformas se quiser ver um programa de cada uma delas.

Streaming de TV ao vivo é como TV a cabo

Outra opção cada vez mais comum é o streaming de TV ao vivo. Em geral, esses serviços apresentam esportes e TV ao vivo (é comum que quem mantém a assinatura de TV a cabo, o faça para ver canais dedicados a notícias e esportes). As plataformas que oferecem esse tipo de programação costumam cobrar mais caro do que as tradicionais. No Hulu, por exemplo, um pacote básico de esportes sai por US$ 45, mas é preciso pagar mais para ver outros canais. No Sling, os preços começam em US$ 25, mas há a opção de adicionar outros itens.

Um dos motivos para isso é o fato de que esses serviços são das companhias de TV a cabo. O Sling, por exemplo, é da Dish Network e a Disney deve ser a acionista majoritária do Hulu em breve. Ainda assim, há serviços que não são clones dos canais a cabo, como o Twitch. As indústrias de notícias e esportes cresceram com o advento da TV a cabo e, para que essa programação fosse exibida em uma plataforma como o Twitch, seria preciso fazer publicidade de forma diferente, garantir que a audiência não abriria outra aba no navegador e pensar em uma audiência global — o que significa eliminar as barreiras de fuso-horário.

Como os espectadores têm assinado as versões on-line dos canais a cabo, não há motivo para que as redes que transmitem notícias e esportes invistam na evolução do seu formato. Como sempre, o consumidor é que sai em desvantagem. Embora esteja deixando as companhias de TV a cabo, ele tem partido para uma versão on-line do mesmo serviço. Por enquanto, a assinatura ainda é mais barata, mas já mostra sinais de que vai encarecer.

Por que isso está acontecendo?

A adoção dessas práticas torna os serviços de streaming muito parecidos com os oferecidos pelas empresas de TV a cabo. Isso tem ocorrido porque as plataformas estão concorrendo com as redes de TV em um modelo de negócios pouco sustentável. Além de terem de oferecer conteúdo famoso, que pode ser retirado de sua biblioteca a qualquer momento se um concorrente oferecer mais por ele, é preciso que tenham muito material bom para que sejam bem-sucedidos. E como não têm contratos, os clientes podem deixá-los a qualquer momento.

Isso tem levado os serviços de streaming a se concentrarem em conteúdo exclusivo — o que faz que se assemelhem cada vez mais às redes de TV a cabo. Como eles ainda não conseguiram acomodar noticiários e programas de esportes em sua grade de programação, as companhias de TV a cabo têm buscado explorar esses mercados com o streaming de TV ao vivo. Com isso, além de evitar que o formato evolua, mantêm os consumidores animados por acreditarem que escaparam delas.

Os serviços de streaming ainda são ótimos

As plataformas de streaming têm vários benefícios. O mais evidente deles no momento é poder economizar ao cortar a assinatura da TV a cabo. Até as opções de TV ao vivo são mais baratas — e ainda é possível dividir o custo da assinatura com amigos e familiares, bem como cancelá-la a qualquer momento.

Quem não assiste a muitos filmes pode alugá-los eventualmente na Amazon ou no YouTube. E ainda há a opção de usar websites como Lifetime, the Roku Channel ou Plex, que oferecem conteúdo gratuito com propaganda. Nos serviços de streaming é possível, ainda, assistir a programas e filmes antigos, que não estão mais disponíveis em outras plataformas. Para quem está em busca de obras raras, existem canais como Mubi e Criterion Channel. Já a Qwest.tv é dedicada a shows e vídeos de música.

Os serviços de streaming mudaram completamente a forma como se cria e se consome conteúdo audiovisual. Encontrar um filme ou um programa de TV é cada vez mais fácil. Além disso, os exclusivos produzidos por Netflix, Amazon e Hulu têm grande impacto na vida e na cultura e sua qualidade deve melhorar conforme a competição aumenta.

Mesmo assim, é preciso desconfiar dessas plataformas. Foram elas que salvaram a audiência da TV a cabo, mas pela forma como têm conduzido suas estratégias, podem levá-la de volta para aquele cenário. Se você não gosta do modo como a plataforma que usa conduz esse processo, teste a concorrência — afinal, é fácil manter uma assinatura que não se usa. A única forma de se comunicar com o serviço é mostrando quem é o dono do dinheiro.

Fonte: How to Geek