A Apple anunciou nesta segunda-feira a nova versão de seu sistema para os iPhones. O iOS 12 traz como um de seus principais destaques algumas ferramentas que visam ajudar as pessoas a acabar com o vício em seus smartphones. É um assunto que o Google também abordou, há algumas semanas, durante seu próprio evento para desenvolvedores, o I/O. Mas como as empresas por trás dos principais sistemas mobile querem fazer seus usuários desgrudarem os olhos das telas dos celulares? E mais: por que as empresas de tecnologia ficaram tão interessadas na saúde digital de seus usuários?

Como combater um vício

As ferramentas do Google e da Apple são bem similares nas propostas. Tanto a coleção de recursos focadas em bem-estar digital do Android quanto as funções do iOS visam mostrar ao usuário quanto tempo ele passa em cada um de seus aplicativos e no celular.

No caso do Google, essa medição é exibida em um painel de controle, que mostra um gráfico em círculo no meio e uma lista dos apps mais acessados. Um toque em um deles deixa você definir um limite de uso por dia, variando de 15 minutos a um intervalo personalizado e permitindo até mesmo pausar o aplicativo. Essa limitação auto-imposta ainda é ajudada por um aprimoramento no recurso Não perturbe, que agora pode acinzentar toda a tela e se ativar automaticamente na hora de dormir.

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Já no da Apple, o tempo gasto com cada app é mostrado em relatórios semanais, dentro de um aplicativo chamado Time Spent — mais ou menos da mesma forma que o painel de controle do Android. É possível definir os mesmos limites de uso, de forma que o sistema avisa quando o período definido estiver para acabar. O Do Not Disturb, por sua vez, não apenas desativa o som das notificações, como também as remove da tela inicial no fim do dia, antes do usuário ir para a cama. Assim, nada de acordar de madrugada para ver quem marcou você no Instagram.

O iOS 12 ainda dá mais controles sobre as notificações de forma geral, sugerindo ao usuário quais desligar de acordo com os apps que a pessoa mais ou menos usa. Os controles parentais também entram no conjunto de ferramentas, já que, por eles, os pais podem evitar que seus filhos passem mais tempo do que deveriam olhando para uma tela brilhante.

Essas medidas ainda vêm acompanhadas de ações de outras empresas, como o Facebook. A empresa de Mark Zuckerberg fez recentemente uma mudança no feed de notícias da rede social que acabou reduzindo o tempo que as pessoas passam conectadas. O Instagram, que faz parte do mesmo grupo, foi outro que lançou um recurso dedicado ao bem-estar digital: uma função que avisa quando o usuário está por dentro de todas as novidades.

E por que fazer isso

Como lembra uma reportagem do Financial Times, as críticas ao vício em smartphones e aos riscos que essas distrações podem trazer à vida das pessoas não são novas. A Wired também explica que, desde a década de 2000, acadêmicos falam sobre como os aplicativos e plataformas são desenhados para viciar as pessoas e acabam provocando problemas como ansiedade e depressão.

Foi só 2016, porém, que um ex-executivo do próprio Google, Tristan Harris, iniciou um movimento chamado Time Well Spent (ou tempo bem aproveitado, em tradução livre), em parceria com outros ex-executivos e ativistas. Como ele mesmo explicou em uma entrevista também à Wired, a ideia “viralizou” no ano passado no Vale do Silício após sua aparição em um podcast falando sobre como a tecnologia tem sabotado as pessoas. O ativista também falou sobre tema em um TED Talk, que você conferir abaixo (com legenda em português):

Harris considerou algumas marcas as principais responsáveis pelo vício em ficar conectado, incluindo Google (englobando Android e YouTube), Facebook (contando a si mesmo e o Instagram) e Apple (com os iPhones). Ele também propôs três passos para desintoxicar as pessoas, sendo o primeiro fazê-las reconhecer o próprio vício e o segundo redesenhar as aplicações e sistemas, mudando a forma de exibir notificações, por exemplo. São dois pontos que essas soluções do iOS e do Android devem começar a resolver.

As novas ferramentas, portanto, parecem ser a forma que Google e Apple encontraram para responder pelo menos a parte das críticas e mostrar que apoiam um movimento popular no Vale do Silício. É algo que o Facebook também pareceu aceitar quando anunciou sua última mudança no feed de notícias — e o mesmo vale para o Instagram.

Mas ainda resta um longo caminho até o ideal de design “humanizado” que o movimento de Harris propõe. Isso porque, além das mudanças no design, o ex-executivo sugere uma transformação mais intrínseca, inclusive nos modelos de negócios, fugindo da publicidade hiper-direcionada e sedenta por dados e ações de usuários. Para um empresa de hardware como Apple, o desafio não é tão grande. Para Google, Facebook e tantas outras marcas, porém, a história é outra.