A tecnologia 5G ainda está em testes, mas já mostra como é poderosa. E isso nem tem relação direta com o quanto ela pode mudar o acesso móvel: o que mais tem se destacado é o embate entre China e EUA, as duas maiores potências econômicas do mundo — os EUA com PIB de US$ 23 trilhões e a China com PIB de US$ 13 trilhões —, em torno dela.

O governo norte-americano decidiu vetar o principal nome no cenário do desenvolvimento de infraestrutura de redes sem fio de quinta geração, a fabricante chinesa Huawei, de fazer negócios com suas agências federais e com empresas norte-americanas. Segundo o presidente Donald Trump, ela é perigosa para a segurança nacional — além disso, há interesses políticos, econômicos e estratégicos envolvidos.

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O Olhar Digital preparou cinco perguntas e respostas sobre os motivos que levaram China e EUA aos campos de batalha tecnológico, econômico e estratégico. Acompanhe a seguir!

Qual a origem da Huawei?

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A Huawei foi criada em 1987 por Ren Zhengfei, um ex-oficial das forças armadas do governo comunista chinês. Isso se tornou um sinal de alerta para a comunidade de inteligência norte-americana (a CIA, o FBI e outras agências) e eles passaram a acusar a empresa de ser parceira do governo chinês na espionagem de outros países.

A suspeita dos EUA vem, entre outros fatores, do fato de a Huawei se dizer controlada pelos próprios empregados — a família fundadora detém apenas 1,5% das ações da corporação. Trata-se, entretanto, de um formato pouco transparente e que leva os norte-americanos a suspeitarem que há influência do Partido Comunista chinês no negócio.

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Hoje, a companhia é a maior fornecedora mundial de equipamentos para redes de telecomunicações e a segunda maior fabricante de smartphones do mundo: fica atrás apenas da Samsung, depois de superar a Apple. Seu faturamento é a maior prova de seu sucesso, já que, em 2018, ultrapassou os US$ 100 bilhões.

A Huawei reafirma que é independente do governo chinês. Zhengfei diz que sua empresa nunca fará espionagem. Para provar seu ponto, a companhia chegou a processar o governo dos EUA — e colocou um anúncio de página inteira no Wall Street Journal em que pede que os americanos não “acreditem em tudo o que ouvem” — bem como sugeriu a assinatura de um acordo de não-espionagem.

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Por que a decisão dos EUA é estratégica?

Como são as maiores potências econômicas do planeta, EUA e China disputam regiões de influência. A América Latina (e, notadamente, o Brasil) são, até hoje, uma área em que os EUA exercem hegemonia. Só que isso pode mudar: por ser um grande mercado, o espaço tem sido cada vez mais assediado pelos chineses.

Atualmente, a China é o maior comprador de produtos brasileiros. E recentemente, o vice-presidente, Hamilton Mourão, esteve no país asiático e se reuniu com o presidente Xi Jinping. O assunto? O financiamento de obras de infraestrutura pelo projeto Belt and Road Initiative (BRI). Além disso, o Brasil é integrante dos Brics (em que se reúne com Rússia, Índia, China e África do Sul).

Ao lado dos norte-americanos no boicote à Huawei estão, por exemplo, Nova Zelândia e Austrália, que também temem a possibilidade de espionagem e, por isso, têm evitado fazer negócios com a companhia. Na outra ponta, alguns países europeus, como o Reino Unido e a Alemanha, escolheram a empresa para estruturar suas redes 5G — mesmo com a ameaça dos EUA de abalo nas relações comerciais entre eles. 

Como a China tem reagido?

Desde o início da guerra comercial com os EUA no ano passado — e muito antes dos bloqueios à Huawei —, a China reage de forma enérgica às ações do governo norte-americano. Em maio, quando os EUA aumentaram os impostos de 10% para 25% sobre a metade dos produtos importados chineses, a China aumentou as taxas alfandegárias de 5.140 produtos norte-americanos de 10% para 25%.

Muito além dessas medidas, entretanto, estão as terras-raras, um grupo de elementos químicos relativamente raros (entre eles, o cério, o neodímio, o itérbio e o lutécio). As terras-raras têm aplicações importantes, como as tecnologias de baixa emissão de carbono, e a produção de ímãs, catalisadores, ligas, vidros e eletrônicos de alto desempenho.

A grande ironia é que a China é responsável por 78% da extração de terras-raras do planeta. Como esses elementos são essenciais na fabricação de produtos de alta tecnologia, se o país asiático se recusar a vendê-los para os EUA, por exemplo, isso pode tornar a disputa econômica entre eles ainda mais violenta.

Por que a China incomoda tanto os EUA?

Embora o discurso norte-americano tenha como base o mote da espionagem, outros aspectos permeiam esse embate com a China. O Vale do Silício, na Califórnia (EUA), pode ser superado pelos chineses em breve. A região, que hoje concentra empresas de tecnologia, foi pioneira na produção de circuitos integrados, os populares chips (que são feitos de silício).

Desde 2014, a China financia a pesquisa e o desenvolvimento da indústria de chips. A ideia é ir dos US$ 30 bilhões (2016) aos US$ 305 bilhões em receita (2030). O país quer que a maioria dos chips usados localmente sejam feitos por lá mesmo — essa produção atualmente está concentrada na Coreia do Sul e em Taiwan. Já se falou até em levá-la para os EUA, mas a expertise dos países asiáticos ainda é superior.

Para atrapalhar os planos chineses, os EUA atuaram para impedir que a Qualcomm fosse vendida para a Broadcom. Depois, vieram as proibições de comercialização de produtos da ZTE e da Huawei. A China, então, complicou a operação da Qualcomm — que é, hoje, uma das maiores fabricantes de chips do mundo. Ou seja, esses relacionamentos são complexos demais e o desequilíbrio pode trazer consequências.

Paralelamente, grandes empresas chinesas, como Alibaba, Baidu e a própria Huawei, investem em chips e inteligência artificial. A Huawei, por exemplo, é dona da HiSilicon, que faz os processadores Kirin para equipar seus smartphones. A rivalidade entre os países, então, deve seguir firme, já que os dois lados tentam se estabelecer como líderes mundiais em tecnologia.

O que deve acontecer a partir de agora?

Além das medidas tarifárias, as não-tarifárias devem ser usadas com cada vez mais frequência pelos EUA. Assim, são esperadas restrições ao investimento chinês no país, limites para que empresas norte-americanas exportem tecnologia para a China e ainda mais pressão sobre as companhias chinesas, entre outras.

Apesar de seu impacto ser mais difícil de quantificar, o efeito das medidas não-tarifárias tende a ser de longo alcance. Uma lei recente expandiu o poder do Comitê de Investimentos Estrangeiros nos EUA (CFIUS) — esse órgão examina investimentos estrangeiros e verifica se eles representam risco à segurança nacional e já barrou, por exemplo, a venda da MoneyGram para o Ant Financial, a empresa de pagamentos digitais da Alibaba.

Toda essa movimentação em torno da Huawei aconteceu antes, embora em escala menor, com a ZTE. A Huawei se preparou e acumulou um estoque de insumos equivalente a pelo menos três meses de suas necessidades. Mesmo que as sanções sejam revistas — até porque há empresas norte-americanas que têm negócios em andamento com a Huawei — a China já sabe que precisa se tornar independente, já que não pode confiar inteiramente nos fornecedores estrangeiros. O país asiático anunciou até a criação de uma lista de empresas estrangeiras “pouco confiáveis”, mas ainda não a publicou.

Então, além dos planos de produzir chips localmente, agora devem haver esforços redobrados no desenvolvimento de outros elementos (como o sistema operacional que a Huawei já prepara) e até de padrões tecnológicos — dinheiro não será um problema para essa tarefa. Um bom exemplo é a própria tecnologia 5G, em que a Huawei tem uma vantagem incontestável.

Como pesquisa e desenvolvimento é uma atividade que inclui muita tentativa e erro, é difícil prever quem vai sair vencedor — se é que haverá um — nessa batalha. O que já se sabe é que vai ser preciso resistir muito, especialmente a perdas prolongadas.