A aplicação de franquias na banda larga fixa causa discussões não só por questões técnicas, mas também pelos possíveis impactos sociais da medida. A preocupação não deve ser subestimada: ainda há 63,3 milhões de habitantes desconectados em todo país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessa grande quantidade de pessoas, 14,3% destacaram o preço como um fator impeditivo.

Além da exclusão social, a aplicação de franquias na Internet também preocupa por seus impactos econômicos. Uma previsão do instituto Oxford Economics indica que, em 2025, a economia digital chegue a 24% do PIB global. No país, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstrou que o número de pessoas conectadas tem impacto positivo no produto interno bruto brasileiro.

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ReproduçãoPara tratar dos possíveis impactos da aplicação de franquias na banda larga fixa do Brasil, o Olhar Digital conversou com o sociólogo e professor de políticas públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) Sergio Amadeu. Conhecido por sua defesa do Software Livre e da Inclusão Digital no país, ele também é representante da comunidade acadêmica no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI). Confira:

OD: Que impactos a limitação da banda larga pode ter no Brasil?
A limitação vai prejudicar a economia porque ela encarece o conjunto das atividades econômicas, que hoje não podem mais serem realizadas sem a utilização de redes digitais. Dentro desse encarecimento, os setores mais prejudicados serão, obviamente, os mais pobres. Porque é uma ilusão achar que, cobrando mais pelo consumo de dados, vai melhorar a situação de quem tem uma renda menor no país. Ao contrário, essas pessoas, que estão cada vez mais usando a internet para se qualificar, aprender e se divertir, vão pagar mais caro.

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Ao invés de eles aumentarem e modernizarem essa estrutura de telecomunicações, eles tentam reduzir o uso da internet e cobrar mais caro pela utilização existente. É um absurdo.

OD: As operadoras alegam que buscam uma liberdade de negócio para o consumidor. Até que ponto é isso é do interesse público?
Essa questão é uma falácia. Eu desconheço qualquer redução de preço praticado por esse segmento oligopolista. Eu os desafio a apresentarem onde isso ocorreu. O que vai acontecer é que vão cobrar mais caro das pessoas. Não tem a menor coerência as operadoras fazerem um plano de negócio para reduzir o faturamento delas. Pelo contrário, elas vão aumentar a lucratividade, prejudicando as pessoas que estão usando cada vez mais. Ou seja, esse argumento da liberdade de negócio é um argumento extremamente equivocado.

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A banda larga no Brasil deveria ser um serviço público, pois ela é extremamente importante para todas as pessoas e para e economia do país. É um serviço de utilidade pública da maior relevância e foi considerada até pela ONU como um direito humano. Esse segmento oligopolizado, que controla os cabos e que tem uma concessão pública para operar, tenta tirar a banda larga da ideia de serviço público universal. Exatamente para fugir das obrigações que outros serviços essenciais têm, como água e energia elétrica.

OD: E qual a barreira para que o Brasil reconheça a internet com esse papel fundamental para a sociedade, como um serviço público?
O que precisa é que os segmentos organizados da sociedade coloquem essa questão como algo prioritário. O que falta, na verdade, é uma definição política, a aprovação de uma lei que deixe claro isso. Isso só vai ser feito, diante de lobbies poderosos e contrários que existem no Congresso Nacional, a partir da conscientização política da população.

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Se as operadoras de Telecom puderem fazer o que quiserem, elas vão aumentar o seu faturamento e lucratividade, encarecer os custos da banda larga, tentar reduzir o uso da internet e limitá-lo. A utilização intensa da internet para as várias atividades aumenta a qualidade da nossa sociedade, a comunicação, a interação, a troca de conhecimentos e os negócios.

OD: O Governo Federal costuma dar diversas isenções às teles e converter multas em planos de investimentos. Mas, por que elas estão sempre alegando que precisam da franquia para balancear o negócio?
Balancear, não. É um negócio absurdo em qualquer lugar do mundo. Nós sabemos que a banda larga será cada vez mais utilizada porque nós estamos digitalizando a nossa produção no mundo. Cada vez mais se descobre elementos importantes no uso da internet, que são cruciais nos países, para as sociedades e isso não tem nenhuma novidade. O que eles querem é outra coisa. Por ser um setor poderoso e oligopolizado mundialmente, eles querem aumentar o seu faturamento e aí vêm com argumentos que não funcionam em nenhum lugar do mundo. “Se abaixar impostos, eu vou abaixar os custos para a sociedade”. Imagina! Se abaixar imposto, eles não abaixam um centavo sequer.

Tudo isso são argumentos que utilizam para poder aumentar a lucratividade dos seus acionistas e o faturamento das suas corporações, que são grandes oligopólios. Por isso, essas empresas só poderiam funcionar por estarem em uma área estratégia para qualquer sociedade, elas têm que ter uma forte regulamentação e [banda larga] tem que ser considerada um serviço público essencial. Porque um gerenciamento ruim e uma elevação absurda de preços desse segmento impactarão todos os outros setores da sociedade.

OD: Só três países possuem limitação de franquia: Estados Unidos, Canadá e Alemanha, parcialmente. O senhor citaria algum país no mundo que seria exemplo na forma de lidar com a Internet?
Há pesquisas que mostram que uma utilização elevada da banda larga aumenta o PIB do país. Coreia do Sul, Dinamarca, Noruega e Finlândia estão apostando em aumentar a velocidade, expandir a cobertura de todo país e baratear os custos, que é essencial.

Eles alegam que o Brasil é muito grande, mas a grandeza do país pode efetivamente melhorar o faturamento dessas empresas. É exatamente incluindo as pessoas, cobrando mais baixo. Mas o modelo deles é diferente: é cobrar cada vez mais de quem é usuário intensivo. Não tem cabimento. Por isso que eles só levaram banda larga no interior do país porque o governo na época do então presidente Lula lançou o Plano Nacional de Banda Larga, que eles fizeram de tudo para bombardear e encerrar os planos.

O que impedia, eu pergunto, essas operadoras de telecomunicação levar banda larga lá na periferia extrema de São Paulo ou no interior do Piauí? Nada os impedia. É que eles não querem fazer, porque eles cobram absurdos. Porque eles sabem que vão levar uma estrutura que as pessoas não vão poder usar. Então, eles preferiam ter fibra óptica sobrando na região Moema, Itaim e Berrini e faltando na periferia. Eles não querem ganhar na conectividade geral da sociedade e sim no uso intensivo de alguns segmentos. É uma política lamentável porque a banda larga não foi considerado um serviço público essencial, regulamentado, controlado e com planejamento.

OD: Diversos grupos sociais e setores da sociedade encontraram voz na internet que não tinham na mídia tradicional. Essa limitação também pode atrapalhar o jogo democrático do Brasil?
Esse tipo de encarecimento da banda larga vai ter como impacto a redução do acesso à internet nos setores que têm menos poder aquisitivo. Sem dúvida nenhuma, eu posso dizer que esse tipo de política prejudica sim o fluxo de informação livre, principalmente entre aqueles que tem menor condição econômica. É antidemocrático, além de tudo.

Eu espero que nós consigamos barrar isso. Porque nós conseguimos garantir a neutralidade da rede. E veja que situação: os Estados Unidos não tinham uma lei que garantia a neutralidade da rede. Bastou colocar um presidente que não tem nenhum vínculo com causas sociais para que, numa canetada, quebrasse a neutralidade.

Eu acho que, no Brasil, a gente tem uma batalha a se travar. Eu acredito muito que a gente possa mobilizar os segmentos da sociedade contra esse discurso falacioso, contra esses argumentos que não têm a menor procedência e que visam simplesmente mascarar a realidade de um setor que não tem quase concorrência, que tem entrada de recursos crescentes porque as pessoas vão usar cada vez mais a internet e que quer, por controlar a infraestrutura básica de redes, aumentar o seu faturamento e a sua lucratividade.