A Polícia Militar de São Paulo implantará um sistema de câmeras de registro, para áudio e vídeo, de intervenções no estado. Equipamentos de alta definição serão acopladas ao uniforme dos policiais, na altura do ombro. Dessa forma, todas ações dos profissionais serão gravadas, armazenadas e posteriormente utilizadas, conforme necessidade.

“Ação de interesse policial é a ocorrência despachada pelo Copom [centro de operações da PM], aquela em que ele mesmo atua, por iniciativa própria, ou quando populares acionam”, diz o tenente-coronel Robson Cabanas Duque, 47, gerente do projeto. Na lista dessas ações entram abordagens de suspeitos, transporte de pessoas nas viaturas e atendimentos que pedem criação de boletim de ocorrência.

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A tecnologia será implantação em seis unidades, inicialmente —quatro na capital e duas em Santos e Sorocaba. Elas foram escolhidas graças ao índice alto de reclamações contra ações da tropa e grande quantidade crimes de violência doméstica. O 18º batalhão, localizado na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo, é conhecido pelas suspeitas de violência de seus policiais. Os outros Distritos Policiais estão situados na Mooca (zona leste), Capão Redondo e Heliópolis (zona sul).

A expansão para outras unidades se dará conforme capacidade financeira. A ideia é que, a médio prazo, todo policial de rua do estado use o equipamento.

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A princípio, o investimento para a instituição do sistema — que inclui o aluguel de cerca de mil câmeras e serviço para armazenar imagens — é estimado em R$ 5 milhões. A PM da capital paulista possui efetivo de mais de 88 mil mulheres e homens (levando em conta o Corpo de Bombeiros) e orçamento anual de R$ 16 bilhões.

A licitação para aquisição dos equipamentos, provavelmente, será aberta nos próximos dias — depois da conclusão de estudo realizado pelo tenente-coronel Cabanas, baseado em experiências internacionais (nos EUA e Reino Unido) e testes da corporação, que começaram ainda em 2013.

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Segundo o policial, esses testes mostraram a efetividade do equipamento nas ocorrências de violência doméstica — seja para produção de provas ou para a inibição da continuação das agressões. “A câmera tem a possibilidade de produzir a prova no local, uma prova muito difícil de se conseguir. O fato de você filmar uma casa com os móveis todos arrebentados, revirados, numa briga, na hora que o juiz vê isso, ele está vendo a prova do que aconteceu.”

Uma preocupação da PM foi criar meios que impedissem o vazamento das gravações, já que isso comprometeria o projeto. Logo, as câmeras não permitirão edição, manipulação, compartilhamento nem exclusão das imagens. Elas só poderão ser concedidas pelo comandante do DP em situações específicas, como ações judiciais. As gravações serão classificadas como secretas. O que impede seu fornecimento até mesmo para requisições usem a Lei de Acesso à Informação.

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“É uma ferramenta tremenda para a sociedade, e, para nós, é importante, porque nos interessa a transparência. Ninguém está aqui para esconder vídeo de policial que abusa de sua autoridade, que bate nos outros”, completa Cabanas.

De acordo com o tenente-coronel, a tecnologia melhorará a imagem da PM. “É o sonho de toda a Polícia. Que ela seja considerada pela população uma polícia transparente, legítima, tenha a ‘accountability’ [preste contas]. Nós, na PM hoje, temos dificuldade. Com as coisas que acontecem, temos a imagem péssima, e a gente quer mudar isso.”

“Outra preocupação é permitir que a câmera fique desligada em alguns momentos. A gente só não deixa a câmera ligada 24 horas não por falta de tecnologia, mas você pode arruinar o relacionamento da polícia e da comunidade, e também, a privacidade do policial. A gente precisa garantir o mínimo de privacidade para o profissional.”

O coronel Paulo Adriano Telhada, deputado estadual e ex-comandante da Rota, diz que a instituição do sistema “vem em ótima hora”. Para ele, a tecnologia concede um maior respaldo jurídico ao profissional honesto e desestimula excessos e desvios de conduta. “Toda mudança gera expectativa, geralmente negativa, mas vejo como algo positivo e que deveria ter sido implantado há mais tempo”.

“Diante de tudo que está acontecendo no Brasil, infelizmente, a palavra do policial está caindo em descrédito. Hoje, na maioria das vezes, o juiz, as pessoas, acreditam mais na palavra do ladrão do que do policial. É a realidade.”

Benedito Mariano, ouvidor da Polícia, classifica a implantação das câmeras como importante. “É uma inovação que serve para diminuir os excessos, os abusos de autoridade e também serve de prova para o policial quando for uma ocorrência de legitimidade”.

Segundo pesquisa da Ouvidoria a respeito de 756 vítimas de ações letais da Polícia Militar, registradas em 2017, apenas 26% dos casos tinham indícios claros de necessidade do uso de força letal. “Nos 74% restantes a Ouvidoria indicou haver excesso. Desse total, em 48% é excesso na legítima defesa, e em 26% há indícios de ocorrência sem o confronto armado”, alega.

Mariano diz que a PM não pode abrir mão de implantar as câmeras nos DPs com maior letalidade. Para Cabanas, isso acorrerá, mas não há prazo definido. “A Rota ficou fora porque é uma tropa especial, está no estado todo. Precisamos colocar na rádio patrulha, perto do cidadão, de quem atende ocorrência de briga, de desinteligência. Vai chegar o tempo do 1º batalhão de choque”.

(via Folha de São Paulo)