Uma empresa que tem entre seus diretores um ex-espião israelense está gerenciando um serviço que usa o Facebook para criar uma base de dados com os rostos das pessoas. Essa base de dados é vendida como um produto para que os clientes da empresa – que podem ser desde outras empresas até entidades governamentais – usem-na para fins de “segurança proativa” [actionable intelligence].

De acordo com a Forbes, o serviço em questão se chama Face-Int. Ele contém perfis faciais de milhares de pessoas, “colhidos de fontes online como o YouTube, o Facebook e fóruns abertos e fechados do mundo todo” nas palavras da empresa.

No total, a empresa que gerencia o serviço diz ter dados extraídos de mais de 35 mil fotos e vídeos de clipes de recrutamento e campos de treinamento de terroristas. No entanto, a Forbes notou que a página do produto está no ar desde ao menos 2013, o que indica que o número atual de vídeos e perfis coletados pela empresa deve ser bem maior.

O serviço foi criado pela empresa Terrogence, fundada por sua vez pelo ex-agente secreto israelense Shai Arbel. A Terrogence foi então comprada pela Verint, da qual Arbel é atualmente listado como vice-presidente de pesquis em inteligência.

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Mais que contra-terrorismo

Na página da Terrogence, o Face-Int é descrito como “uma tecnologia de reconhecimento facial baseada na inteligência” que “ativamente monitora e coleta perfis online e imagens faciais de terroristas, criminosos e outros indivíduos que, acredita-se, representam ameaça à segurança da aviação, segurança nacional e imigração”. 

Ou seja: qualquer pessoa suspeita pode entrar na lista de vigilância da empresa. E embora o objetivo declarado da Terrogence seja ajudar empresas, governos e autoridades a combaterem terrorismo, a Forbes notou que os perfis de LinkedIn de atuais e ex-funcionários da empresa listam também outras atividades.

Por exemplo: uma ex-funcionária da empresa diz ter “conduzido operações de gerenciamento de percepção pública em nome de clientes governamentas domésticos e estrangeiros”. A mesma funcionária também alegava ter usado “práticas de inteligência open-source e métodos de engenharia de redes sociais para investigar grupos sociais e políticos”.  

Como funciona?

O Face-Int, segundo a empresa que o criou, processa vídeos e fotos disponíveis publicamente na internet (como a sua foto de perfil do Facebook, por exemplo) e produz “um arquivo de imagem genérica biométrica de alta resolução, que pode ser exportado para sistemas biométricos em geral”. 

Isso significa que os perfis de pessoa gerados pela tecnologia podem ser exportados para sistemas de segurança. Nesse caso, “a base de dados da Face-Int permite que as imagens de captura facial sejam comparadas com perfis existentes, para que suspeitos possam ser identificados e apreendidos em questão de minutos após sua detecção por uma câmera”, ainda segundo o site. 

Em outras palavras, um rosto que esteja na base de dados da empresa e que seja detectado pela câmera inteligente de um cliente gera um alerta à empresa. Dessa forma, a base de dados gerada pela Face-Int serve como uma espécide de “lista negra” que pode levar certas pessoas a serem apreendidas quando forem vistas por uma câmera conectada ao sistema.

Preocupações

Na opinião de Jay Stanley, analista sênior de políticas da União de Liberdades Civis dos Estados Unidos (ACLU), sistemas como o Face-Int “intensificam as possíveis consequências negativas” das tecnologias de reconhecimento facial.

“Se empresas privadas estão rastreando fotos e combinando-as cominformações pessoais para fazer julgamentos sobre pessoas – se você é terrorista ou quão provável é que você roube uma loja ou algo do tipo – isso expõe todos ao risco de ser confundido, ou de ser corretamente identificado mas julgado erroneamente”, disse ele em entrevista à Forbes. 

Jennifer Lynch, advogada sênior da Electronic Frontier Foundation, informou ao site que se a base de dados da empresa tiver sido compartilhada com o governo dos EUA, ela ameaça os direitos de privacidade e de expressão dos cidadãos do país. E além disso, ela acredita que o uso da tecnologia em seu estado atual representa riscos graves a alguns grupos de pessoas.

“Aplicar reconhecimento facial em vídeos é extremamente desafiador, e sabemos que o reconhecimento facial funciona pior com pessoas não-brancas e especialmente com mulheres e pessoas com tons mais escuros de pele. Combinando esses dois problemas com a tecnologia, há uma chance elevada que o sistema regularmente identifique erroneamente pessoas como terroristas ou criminosos”, considerou. 

Erros fatais

Segundo o Daily Mail, erros com sistemas de reconhecimento facial desse tipo podem ser chegar a apenas 0,8%. Embora seja um número pequeno, ele significa que oito em cada 1000 escaneamentos faciais dará um resultado errado – e considerando que esses sistemas fazem milhares de escaneamentos por dia, podem ser muitos erros.

Além disso, os erros têm consequências gravíssimas: Steven Talley, por exemplo, passou meses em uma câmara de segurança máxima e sofreu diversas lesões após ter sido erroneamente identificado como um assaltante de banco por sistemas de reconhecimento facial do FBI, de acordo com uma reportagem do Intercept.