Na última semana, o Brasil determinou a instituição de um grupo de trabalho que visa estudar soluções tecnológicas para a detecção de outros tipos de substâncias entorpecentes no organismo de motoristas, que normalmente não seriam detectadas pelo bafômetro tradicional.

A portaria publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de abril menciona que a tecnologia já está em vigor na Austrália, no Canadá e em outros países, mas não detalha exatamente que tipo de dispositivo o governo pensa em adotar para fazer o “screening”, como é chamado esse teste de substâncias ilegais. Como o projeto está em fase de estudos, ainda não é possível sequer saber se a ideia irá para a frente, nem qual equipamento será usado se a proposta sair do papel.

Uma pesquisa, no entanto, mostra que a tecnologia usada em outros países pertence a uma multinacional chamada Dräger, que, inclusive, tem sede aqui no Brasil, no estado de São Paulo, na região de Barueri. A empresa fornece, entre outros dispositivos, o DrugTest 5000, que tem sido adotado no exterior para que forças policiais possam fazer testes de drogas à beira da estrada em alguns minutos.

A empresa diz que sua tecnologia é capaz de detectar opiácios, cocaína, cannabinóides, anfetaminas e tranquilizantes baseados em benzodiazepina com apenas uma amostra de saliva do condutor. Isso é feito em apenas três passos: primeiro, a coleta da saliva; em seguida, a amostra é depositada na máquina de análise e, por fim, a exibição dos resultados no mostrador do equipamento.

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É um processo simples, e os resultados são claros, mostrando de forma simples se cada substância analisada pelo sistema foi testada como positiva ou negativo. Ele também é razoavelmente pequeno, pesando apenas 4,5 kg, o que faz com que seja fácil colocá-lo dentro de uma viatura, por exemplo.

E os problemas?

Isso não quer dizer que a tecnologia é perfeita, no entanto. Muito pelo contrário: não foi difícil encontrar relatos que mostram que o DrugTest 5000 não é totalmente confiável em suas medições tanto na mídia canadense quanto na australiana.

Um artigo publicado na revista científica “Journal of Analytical Toxicology” demonstrou que o aparelho teve muitos problemas com falsos-positivos e falsos-negativos em um estudo com 300 motoristas da Noruega, país que adotou o DrugTest 5000 em 2015, que foram testados por uso de drogas. Eles passaram tanto pelo teste oral da Dräger quanto por um exame sanguíneo, e em muitos casos houve discrepância entre as duas amostras.

No que tange à maconha, o experimento demonstrou uma taxa alta de falsos-positivos de 14,5%, o que significa que basicamente de cada 7 testes positivos, um deles foi identificado de forma errada. Quando o assunto é cocaína, a proporção aumenta em um nível assustador: 87,1% dos resultados foram falsos-positivos. Além disso, o equipamento também teve um nível preocupante de falsos-negativos, quando a máquina não reconhece quando um motorista realmente usou substâncias ilícitas: 13,5% das amostras que tinham níveis de THC acima do permitido não foram corretamente identificadas no teste oral.

As autoridades norueguesas, no entanto, não se incomodaram com os resultados do estudo, apesar de a pesquisa demonstrar que o aparelho tem inconsistências claras. A justificativa é de que o DrugTest 5000 “ainda era uma uma ferramenta valiosa em identificar possíveis infratores, resultando em mais que o dobro de infratores apreendidos”.

O que diz a mídia?

Na Austrália, onde o sistema passou a ser utilizado a partir de 2014, também foram encontrados problemas. Uma publicação do The Western Australian de 2016 menciona uma taxa de erros bastante alta no estado da Austrália Ocidental: cerca de uma em cada três análises não estava apresentando o resultado correto.

Isso trouxe alguns transtornos para as autoridades locais, que estavam tendo dificuldades para indiciar os suspeitos, justamente pela falta de confiabilidade do equipamento.

Já o CTV News, do Canadá, descreve outras preocupações como o fato de que as especificações técnicas do aparelho indicam que seu funcionamento está limitado a 4° e 40° Celsius, o que faria com que sua operação ficasse consideravelmente restrita durante as épocas mais frias do ano.

Outra preocupação levantada é com o fato de que, para ter uma medição correta, o sujeito testado não pode ter ingerido nenhum alimento nos últimos 10 minutos. Isso pode fazer com que as leituras da máquina saiam incorretas e abre brecha para que os motoristas mintam sobre o consumo de alimento para invalidar um teste.

Para piorar, o relato da publicação canadense aponta que o processo não é tão rápido quanto os poucos minutos que a Dräger anuncia. O CTV News conta que os policiais chegam a passar quatro minutos apenas para obter a amostra de saliva do suspeito, e ainda precisam gastar mais 10 minutos esperando pela análise, o que torna toda a ação bastante mais lenta do que um teste de bafômetro convencional.